Texto
original enviado ao Centro Acadêmico da Faculdade
de Letras da FFLCH-USP:
¡Eureka! Descoberta a fórmula
mágica para fabricar, via internet, professores
de
¿espanhol? em 18 meses!!!
Na
última quarta feira, 06 de setembro –
véspera do
feriado - foi assinado um protocolo de intenções
pelo
governador de São Paulo, Cláudio Lembo, o Banco
Santander e o Instituto Cervantes para
“capacitação”
de 45.000 professores da rede estadual pública, que visa
aplicar, via internet, um curso de especialização
de
Língua Espanhola.
É
importante ressaltar que tal formação
será num
prazo máximo de 2 anos, com um primeiro grupo do qual se
espera a conclusão do curso em até 18 meses, e os
professores de qualquer área que fizerem o curso
ganharão
o direito de ensinar espanhol aos alunos das escolas
públicas
do Estado de São Paulo.
Tal
formação consiste em um curso de
Língua
Espanhola de 600 horas não presenciais, ou seja, on-line,
dividido em 4 módulos de 120 horas para cada
nível
(básico, intermediário, avançado e superior)
e mais 120 horas de metodologia de ensino da
língua
espanhola, também não presenciais. Segundo a
notícia
veiculada, até o momento não confirmada, o
certificado
será emitido com o selo de uma das três
universidades
públicas paulistas: USP, Unesp e Unicamp.
De
acordo com jornais espanhóis, Emílio
Botín,
presidente do Grupo Santander, encontrou-se com o presidente Lula e
falou a respeito da possibilidade de esse programa ser expandido para
todo o Brasil, além de pedir abertura econômica
para o
banco em outros estados brasileiros.
A
proposta pedagógica desse programa, que foi batizado de
‘Oye’,
descreve que “a organização do
curso corresponde
aos elementos estruturantes de uma licenciatura plena e irá
preparar os professores da rede estadual para o ensino do espanhol.
Dessa forma a Secretaria de Estado da Educação de
São
Paulo, retira, do professor, o ônus de cumprir com as
políticas
estabelecidas.” Afinal, licenciatura ou
especialização?
Como
alunos da maior universidade da América Latina, sabemos que
a
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e a
Faculdade
de Educação têm se destacado por sua
qualidade de
ensino e, ao longo de décadas, busca por meio de pesquisas a
reflexão sobre as línguas naturais e,
conseqüentemente,
sobre a forma de ensiná-las.
Como
ficarão as reflexões sobre as culturas espanhola
e
hispano-americanas bem como suas literaturas? Será que
é
possível aprender uma língua via internet num
prazo
máximo de 18 meses? Será que um curso de
língua
destinado a qualquer público como o AVE (Aula Virtual de
Español) do Instituto Cervantes é adequado para
formar
um professor de língua? Será que 120 horas de
metodologia capacitam um professor?
Os
professores da Área de Espanhol, assim como os alunos,
não
reconhecem a legitimidade desse processo de
formação,
desse ‘curso de capacitação’,
por entenderem que
isso vai contra o que a própria lei nacional da
Educação
entende por uma licenciatura, e nem o considera um curso de
especialização posto que o curso será
ministrado
a pessoas sem formação na área;
além de
que a implementação desse projeto permite criar
professores com dois tipos de formação, com duas
categorias, deslegitimando o papel das Universidades que oferecem
bacharelados e licenciaturas específicas e frustrando as
expectativas dos estudantes que estão se submetendo
à
essa formação específica.
O
que nós, como representantes dos alunos do Curso de
Espanhol,
pretendemos com este artigo é manifestar nosso
repúdio
contra tal medida, não só por considerar que o
curso on-line
‘capacitará’ de maneira extremamente
deficitária os que o cursarem, como também
que
desencadeará um ensino de péssima qualidade na
rede
pública.
Não
podemos permitir que um banco, com o apoio de uma
instituição
de um governo estrangeiro, dite as normas de
formação
de professores que atuarão na rede pública
nacional.
Tanto
os professores estaduais da rede pública quanto
nós,
merecemos respeito. Dessa forma, a nossa exigência
é de
que toda e qualquer iniciativa por parte do Estado, para suprir a
deficiência de professores em cumprimento à Lei
11.161/2005, sejam realizadas dentro dos princípios da
isonomia, da legalidade e atendam às normas previstas pela
Lei
de Diretrizes e Bases.
Salientamos
que as justificativas desse projeto são
irresponsáveis
por se fiar em soluções paliativas que tendem a
agravar
o quadro da educação pública,
prometendo
resultados “milagrosos”. Afinal, estamos convictos
de que a
aquisição de uma língua estrangeira
não é
possível via internet.
Em
ação conjunta com os docentes da Área
de
Espanhol da Universidade de São Paulo, não
seremos
coniventes com esse programa, uma vez que entendemos que o mesmo
não
oferece a mínima condição para a
formação
de um professor.
Cremos
que esse assunto afeta diretamente todas as outras instâncias
da Universidade de São Paulo, pois hoje o que se pretende
ensinar on-line, sem a menor reflexão a
respeito da
língua, é o Espanhol, o que justificaria, num
futuro
próximo, a extensão desse tipo de
“formação”
de professores para o ensino de outras línguas, de
matemática,
de biologia...
Não
é a EaD (Educação a
Distância) que se está
questionando, mas a legitimidade e a qualidade da proposta que aqui
está sendo analisada.
Pedimos
o apoio de todos os alunos, docentes e funcionários para que
possamos frear essa medida arbitrária, pois não
podemos
assistir inertes a mais uma atitude irresponsável que
promove
o sucateamento escancarado do ensino público no Brasil.
Valéria
Moraes
Vivian Gusmão
(alunas do curso
de Espanhol)
|